1. Patrícia Dantas, Directora Regional da Economia – atentem bem, da Economia! -, é acusada de participar na maior fraude económica envolvendo fundos comunitários alguma vez investigada em Portugal, num valor total de 10 milhões de euros. É arguida, acusada e depois de sê-lo foi nomeada pelo Governo Regional.
2. Paulo Cafôfo e Idalina Perestrelo, Presidente e à data Vice-Presidente da Câmara Municipal do Funchal, inicialmente foram ambos constituídos arguidos devido à queda de uma árvore que vitimou fatalmente 13 pessoas.
3. Não, não estamos a falar da mesma coisa: Patrícia Dantas é acusada de estar envolvida num esquema fraudulento; Paulo Cafôfo e Idalina Perestrelo foram constituídos arguidos devido a um acidente – e a não ser que fraude e acidente tenham passado a ser sinónimos, não, não estamos a falar da mesma coisa.
4. Mas imaginemos por momentos e por absurdo que até estamos a falar da mesma coisa. Do mesmo grau de responsabilidade. Do mesmo grau de voluntarismo. Do mesmo grau de envolvimento. De intencionalidade. De previsibilidade. Imaginemos que a fraude tinha acontecido como resultado de algo imprevisível, ou que a queda da árvore tinha acontecido por envolvimento deliberado, motivado e intencional. Como se os arguidos a tivessem empurrado. Imaginemos que ambos os casos são a mesma coisa.
5. Perante os dois casos, o que fizeram os principais agentes públicos da Madeira? Se no caso de Paulo Cafôfo e Idalina Perestrelo se apressaram a exigir respostas, esclarecimentos, responsabilidades, a julgar e a condenar na praça pública – ainda a semana passada José Prada “Pai” utilizou como argumento para acusar Paulo Cafôfo o facto deste ter passado a “12 ou 13 metros” daquela árvore na procissão do ano anterior -, no segundo caso acotovelaram-se para inocentar Patrícia Dantas. Ou, pelo menos, para dar-lhe o benefício da dúvida. Para julgar depois. Para deixar a justiça correr, porque a política nada tem que ver com o caso. Como se, agora que dá jeito, um acidente e uma fraude fossem a mesma coisa, mas afinal merecessem tratamentos diferentes na hora de inocentar: no caso imprevisível, condena-se; no caso voluntário, inocenta-se.
6. Mas as contradições não se ficam por aqui: há uma comissão de inquérito a decorrer na Assembleia Legislativa Regional que a Procuradora Geral da República considerou ilegal. E o que dizem todos os partidos políticos, com a excepção do PS? Dizem-nos que a legalidade, que o cumprimento da lei não interessa para nada, porque o que importa mesmo é escrutinar o malvado Ministro de António Costa.
7. Aqui chegados, estranho seria se não parássemos todos para pensar nos dias alucinantes que vivemos desde sexta-feira – porque estes dois casos são mesmo o exemplo perfeito da Madeira que somos.
8. Há uma Comissão de Inquérito ilegal? Não importa. Há uma Directora Regional da Economia(!!!!) acusada de fraude? Não importa. Não importa – e não importa, como nunca importou, se antes desses factos existirem seis letras apenas: PPD/PSD. Foi assim durante os últimos 42 anos. Continua a ser assim. Na cabeça de muitos, pode continuar a ser assim. Para sempre.
9. Ora, é contra esse “estado de sítio” que sou desde que me conheço – porque depois dessas seis letras apenas, está o rasto de uma Região que, porra, olhem à vossa volta, não é nada do que podia ser. Olhem para os números do abandono escolar, da escolaridade, do desemprego, do muito baixo emprego qualificado e da emigração! Olhem à vossa volta! Não são precisos estudos de 111 000 euros para vermos o que somos e o que podíamos ser – e o que somos hoje é mesmo a consequência de uma escolha que os madeirenses fizeram durante os últimos 42 anos, que foi sempre a mesma: não importa.
10. O PPD/PSD prometeu um Hospital há 18 anos e nunca construiu um bloco de cimento que fosse? Não importa. O PPD/PSD, depois de 6 000 milhões de euros de dívida em obra em vão e mais de 1 000 milhões oculta, pediu um resgate ao PPD/PSD de Passos Coelho em 2013 com juros altos? Não importa. O PPD/PSD construiu este modelo de mobilidade aérea com o PPD/PSD de Passos Coelho? Não importa. O PPD/PSD mandou o ferry embora em 2012? Não importa. Não importa, porque desde 2015 a culpa é, claro, do PS. De António Costa. De Paulo Cafôfo. Dos anti-autonomistas que nunca governaram, em 42 anos e durante um dia que fosse, a Região. Não importa, porque culpados são todos, menos o PPD/PSD. Como se uma esponja passasse sobre a memória dos madeirenses.
11. A Madeira sempre teve dois pesos e duas medidas: uma que se aplica ao PPD/PSD e uma que se aplica a todos os outros. E não, não estamos a falar apenas de política – estamos a falar de um contexto social, cultural e também político que condiciona a nossa vida colectiva, aquilo que somos há, repitam em voz alta comigo, 42 anos. Quarenta e dois anos: desde o primeiro ao último dia em que temos eleições na Região. Talvez antes disso, até – e é esse ambiente que permite que tantos de nós, políticos, jornalistas, colunistas e cidadãos comuns, convivam aparentemente muito bem há tempo demais com uma normalidade que deveria ser excepcional. Que convivamos todos com o insulto, a injúria e a calúnia a que diariamente assistimos da parte dos mesmos, os do passado e os agora renovados, dentro e fora da Assembleia Regional, publica ou anonimamente, contra quem pensa de maneira diferente – e se confirmá-lo fosse difícil, bastaria ver como Miguel Albuquerque falou de uma investigação judicial, confundindo-a com o trabalho sujo das agências de comunicação com quem trabalha.
12. O PPD/PSD entrega mais de um milhão de euros às Casas do Povo? Não importa. O PPD/PSD distribui cheques sem critério? Não importa. O PPD/PSD oferece almoços a todos os grupos profissionais da Região? Não importa.
13. Durante 42 anos, os que pensavam e pensam como eu, que talvez importe alguma coisa, foram minoritários. Talvez continuemos a ser – mas em Setembro do próximo ano, não se enganem, a escolha de todos nós será sobre tudo isto. Não será apenas entre o PPD/PSD e o PS, não será entre Miguel Albuquerque e Paulo Cafofo – será sobre a sociedade que fomos e que somos e aquela que queremos ou não ser. A minha, escolhi-a há muito, por mais minoritária que tenha sido até aqui.
14. É certo que durante 42 anos o PS não fez tudo bem. Falhámos muitas vezes. Continuaremos a errar de vez em quando – mas entre o que a História foi e o que a História poderá ser, no dia em que escolhi voltar, voltei para estar do outro lado. Para até Setembro de 2019 recordar a todos os madeirenses, um a um, o que parece óbvio mas custa tanto a tanta gente dizer: o PPD/PSD não nos faz bem. Olhem à vossa volta.
Publicado por João Pedro Vieira, Secretário-Geral do PS-Madeira, a 21 de Novembro.