InícioAtualidadeAutonomia: um grande poder e uma grande responsabilidade

Autonomia: um grande poder e uma grande responsabilidade

Desbravámos um território difícil, edificámos estradas, abrimos “furados”, construímos levadas e poios, mas mais do que a conquista física e o domar da orografia, afirmámo-nos como povo que quis ser senhor do seu destino. Esta nossa pretensão foi muitas vezes mal interpretada por parte do poder centralista. O nosso País sempre padeceu de um poder egocêntrico sediado em Lisboa, que nos votou ao esquecimento e a um atraso estrutural durante vários séculos.

Nunca foi fácil a nossa relação, primeiro com o Reino, depois com a República, mas a verdade é que a Madeira, e também os Açores, deram e dão muito a Portugal, e o nosso país não teria a dimensão geográfica e política que tem se não fossem os dois arquipélagos. O País sempre ganhou connosco, seja a nível económico e produtivo, com aquilo que ao longo dos séculos daqui foi exportado para outras latitudes, diga-se que sem a devida compensação, seja a nível geoestratégico. Portugal sempre foi mais país com os Arquipélagos Atlânticos.

Não haja dúvidas de que nos sentimos portugueses e de que somos parte inalienável da identidade nacional, mas as características do nosso território moldaram-nos como povo e conferiram-nos particularidades económicas, sociais e culturais muito próprias. Também não haja dúvidas de que foi somente com a Autonomia que chegou o progresso e o bem-estar à nossa gente.

A Autonomia não é um capricho dos madeirenses e dos açorianos, nem se reduz às aspirações legítimas de autogoverno. A Autonomia é a resposta mais eficaz a uma realidade intransponível: a insularidade. O processo autonómico é uma conquista evolutiva, e apesar de ainda não termos alcançado o ponto de chegada, muitos foram os homens e mulheres que, durante anos a fio, muito fizeram para que aqui chegássemos. Há quem se julgue dono da Autonomia, particularmente alguns barões do PSD, mas a Autonomia é verdadeiramente uma propriedade de todos, porque foi uma conquista de todos, dos políticos aos cidadãos anónimos, da Esquerda à Direita. E se a Autonomia é um dos maiores exemplos de sucesso do Portugal democrático, o futuro da Autonomia depende do que formos capazes de fazer por ela hoje.

Temos uma Autonomia assente em três pilares fundamentais – Constituição da República Portuguesa, Estatuto Político-Administrativo e Lei das Finanças Regionais – e, por isso, não nos podemos resumir a esmolar a caridade da República, mas sim fazer pela vida, e exigir aquilo que temos direito como portugueses que somos, comportando-nos e negociando como tal. Não concebo uma visão da Autonomia que se resume a lamúrias e a uma gritaria do Funchal para Lisboa, que nada resolve e só nos isola, numa postura de mão estendida. Sou orgulhosamente madeirense, mas discordo do orgulhosamente sós, que me faz lembrar outros tempos sombrios.

A guerrilha permanente em que vivemos hoje, foi criada por quem governa a Madeira e não soube politicamente adaptar-se aos novos tempos, e tem dois objetivos: em primeiro lugar, tentar mascarar a incompetência do Governo Regional em resolver os problemas; em segundo lugar, evitar que o PS e este projeto que lidero, possam governar a Região Autónoma no próximo ano. O poder na Madeira está, neste momento, refém de um Partido, que tem um Governo Regional a trabalhar para a sua sobrevivência. A má notícia é que este é um momento com mais de 40 anos; a boa notícia é que este é também o momento de dizer que o poder é dos madeirenses.

A Autonomia é demasiado importante para ser uma arma de arremesso político, e se é preciso que todos a respeitem, também é fundamental que quem a defende se dê ao respeito. Temos de defender a Autonomia com responsabilidade, firmeza e coesão e afirmá-la com uma política de desenvolvimento das pessoas, da sua Educação, das suas competências e das oportunidades que lhes são criadas.

E se é certo que sempre existiram muitos obstáculos e tensão entre Funchal e Lisboa, a verdade é que os Governos da República do Partido Socialista, foram sempre melhores para a Madeira do que os Governos PSD. Foi assim no passado e é assim no presente, sendo disso um exemplo claro a aprovação do novo Hospital da Madeira como Projeto de interesse comum, com a comparticipação de metade dos custos da construção e equipamentos. Assim se mede o respeito pela Autonomia por parte do Estado Central, com menos dialética e mais compromissos cumpridos.

No que diz respeito à defesa da Madeira e do Porto Santo, não pode haver “partidarite” que obstaculize a resolução de problemas e todos somos necessários para os desbloquear. É nisso que me tenho empenhado, em matérias como a alteração do modelo de mobilidade, com um modelo de subsídio semelhante ao das Canárias; na introdução de uma nova companhia na rota Lisboa/Madeira, para aumentar a concorrência e baixar os preços; na aplicação do subsidio de mobilidade ao transporte marítimo, criando-se as condições necessárias para uma operação Ferry via porto de Lisboa; na redução imediata dos juros da dívida, mesmo que o Governo Regional não queira aceitar; ou no apoio com verbas do Orçamento de Estado para os nossos conterrâneos que regressam da Venezuela.

Estas são questões que se colocam à Madeira e são desafios estruturais que temos pela frente, e tenho perfeita consciência da responsabilidade que tenho e da confiança que as pessoas depositam em mim. Pois podem contar comigo para continuar a trabalhar por uma mudança de cultura política, por uma nova geração de investimentos públicos e de relacionamento institucional, e pela afirmação de uma cidadania ativa e participativa. Podem contar comigo para fazer esta Madeira que queremos.

Por Paulo Cafôfo, presidente da Câmara Municipal do Funchal, publicado no Diário de Notícias da Madeira, no dia 04 de Outubro.