Esta é a nossa convicção e a nossa meta. Trabalharemos sem desfalecimento, apesar das rotinas tradicionais e dos modelos enraizados, no sentido de alterar as práticas que nos querem impor de uma escola centrada nos rankings e na criação de corredores de notas quantitativas, como se todos os alunos tivessem as mesmas infâncias, os mesmos talentos, as mesmas condições materiais, culturais e motivacionais, mantendo assim, e de forma errónea, uma espécie de linha de reprodução social, alimentada pelas retenções, pelo insucesso e pelo absentismo escolar. O processo avaliativo deve ter como base um Ensino que se constrói vencendo a exclusão. Urge acabar com esta cultura de ensino. E o mais arrepiante é, por um lado, fazermos parte de uma sociedade que não vê estes alunos como vítimas de um sistema de ensino obsoleto, mas como responsáveis e incapazes, nascidos de uma qualquer fatalidade e, por outro, aceitarmos, com cumplicidade, que eles próprios interiorizem, que a culpa do insucesso é somente deles, porque sempre foi assim e os pais já experimentaram o mesmo trilho. Não! A missão da Escola é outra!
Nas palavras de uma das personagens do conto «O Jantar do Bispo» de Sophia de Mello Breyner (“Contos Exemplares”), “Da nossa própria fome … podemos dizer que é um problema concreto, material e prático. A fome dos outros [todavia] é um problema moral”.
Ora, a escola, que deve passar a ser pensada como um microcosmos social, além de se definir como o polo de referência das aprendizagens, tem de assumir aquele desígnio moral, não apenas na vertente assistencialista, onde nenhum aluno pode passar fome ou frio, mas também, e essencialmente, com a implementação de medidas políticas estruturais que garantam um verdadeiro acontecer na realidade de cada um dos nossos alunos, ao ponto de transformarem, positivamente, o seu nível social. Aqui, defendemos que a aposta na primeira infância torna-se decisiva. Neste sentido, o sistema educativo regional precisa de uma renovada visão estratégica que invista nas condições e nos meios necessários às boas práticas da igualdade de oportunidades, assente em propostas educativas e formativas ajustadas à especificidade de cada um. Não podemos insistir em dar mais do mesmo, pois, ainda existem demasiados alunos que ficam para trás, perdendo, assim, o tempo e o lugar para iniciarem a construção de um percurso de vida mais seguro, sustentável e cheio de futuro.
As novas tecnologias são estruturantes neste caminho educativo, sem dúvida. O acesso a estes novos meios de comunicação e informação, o aprender a lidar, a viver do ponto de vista pessoal, social e profissionalmente, nesta sociedade virtual e digital são os pilares do sucesso, não obstante, será um erro ao nível de Crasso se cairmos, de novo, na tentação de construirmos o amanhã “a partir do telhado”, à pressa, sem mudar o essencial, sem conhecermos os distintos ângulos da realidade: quem, como e o para onde. Parafraseando Einstein, seria loucura repetirmos os mesmos métodos e esperar resultados diferentes.
A Escola tem de ser repensada a partir da base, ao nível da sua organização, estrutura, pedagogias, instrumentos de avaliação exigentes, autonomia, recursos e meios para que, com os professores, os alunos, os pais/encarregados de educação e os parceiros sociais, seja capaz de desenhar projetos de vida autênticos. Respostas para todos e cada um dos alunos, de acordo com os seus contextos e expetativas, bem formadas e conscientes, a serem utilizadas tanto nos dias de hoje, como no futuro, de modo a anularmos as assimetrias sociais e culturais.
E é possível? Sim, é possível, com outro modelo de escola.
Artigo de opinião de Rui Caetano, coordenador dos Estados Gerais para a Educação publicado no Diário de Notícias da Madeira no dia 19 de abril.