A família é a primeira “instituição de acolhimento” da criança. É primeiro modelo de comportamento que se projeta na criança e que moldará o adulto que venha a ser. Esta é uma abordagem muito simplista e redutora do processo de desenvolvimento de um indivíduo, pois a complexidade de que se reveste todo esse processo, implica considerar muitos outros elementos e atores.
Não obstante, não é demais reconhecer que a família é um fator estruturante do indivíduo, quando oferece as condições favoráveis de crescimento e de segurança. Porém, a própria família pode ser também fator de risco e de perigo. Aliás, a situação mais sinalizada desde 2012, de entre a exposição a comportamentos que possam comprometer o bem-estar e o desenvolvimento da criança, foi relativa à violência doméstica, equivalente a 70%.
Enquanto há riscos que não implicam com a estrutura familiar, outros sim e determinam medidas de proteção para evitar o perigo, quando se encontra no seio da própria família. O número de crianças sinalizadas pelas mais de 300 CPCJ do país, como estando em perigo, foi acima de 70.000. Mais de 3.000 por ano são encaminhadas para uma instituição de acolhimento.
Mas há um dado recente e preocupante: há cada vez mais progenitores e tutores a recorrer a profissionais e a fazer queixa contra a violência que os filhos exercem sobre si, sobre os adultos. Isto revela uma inversão de papeis nas estruturas familiares, desencadeada por uma alteração de valores e de mudanças sociais, tecnológicas e laborais. As referências de autoridade foram sendo substituídas por elementos de satisfação e de compensação, que dão azo a constantes atitudes de afirmação e de contestação da criança e do jovem. Curioso, ou não, é que esta situação verifica-se nas famílias de classe média/alta.
Por isso, podemos nos questionar se as comissões de proteção deveriam ser dirigidas para a sinalização de perigo das crianças e jovens ou se deveriam ter uma ação mais abrangente na deteção dos riscos de toda a família, que é composta por elementos de diferentes idades, sensibilidades e com problemáticas próprias, mas com repercussões no conjunto familiar e no indivíduo.
Urge repensar qual o papel das escolas e das estruturas concelhias de cuidados de saúde primários na promoção da inclusão plena das crianças e jovens na sociedade, garantindo, a ambas, as ferramentas necessárias para essa missão.
Artigo de opinião de Sofia Canha, Coordenadora do PS-M para o Desenvolvimento Social no Diário de Notícias da Madeira a 28 de Março.