A deputada Sfia Canhsa considerou que «a revisão da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, efetuada pela Lei n.º 142/2015, introduz alterações significativas no sistema de acolhimento familiar e residencial de crianças e jovens que procurou dar resposta a recomendações baseadas em estudos académicos. A finalidade da intervenção, a escolha da medida de acolhimento e a sua duração foram concebidas de modo a privilegiar o acolhimento familiar, a manutenção dos laços afetivos proporcionados pelo contexto familiar e a permanência nesse contexto, independente ou paralelamente à relação existente com a família de origem.
Apesar de tudo, a necessidade da institucionalização parece persistir, na medida em que as respostas sociais de intervenção precoce e o número de famílias dispostas a acolher crianças e jovens não são suficientes. O facto das famílias de acolhimento não poderem adotar a criança com quem criaram laços afetivos não as tem estimulado a adotar este procedimento. Contudo, a dita alteração da lei introduz uma medida de proteção, no artigo nº 35, que é guarda à confiança da pessoa selecionada para adoção ou a família de acolhimento. O problema é que apesar de prevista na lei, o regime de execução da medida carece de alteração em legislação própria.
Esta mesma Lei n.º 142/2015 eliminou, por sua vez, a diferenciação das instituições que, como instituições de acolhimento, prevê apenas as “casas de acolhimento” (art. 50.º, n.º 1). Admite, porém, que estas se possam organizar por “unidades especializadas”, enunciando, a título exemplificativo, as casas “para resposta em situações de emergência”, as casas “para resposta a problemáticas específicas” e os “apartamentos de autonomização”. A lei pressuponha uma permanência dos jovens nas instituições de forma transitória, mas a prática veio contrariar a lei e na impossibilidade de criar condições que permitam o retorno das crianças à família biológica, a permanência nas casas de acolhimento vai-se prolongando.
O acolhimento residencial é a solução que, por regra, espera as crianças quando a medida de apoio junto dos pais é inviável ou fracassa no decurso da sua execução. Na verdade, as decisões das comissões de proteção concentram-se em duas medidas: o apoio junto dos pais e o acolhimento em instituição. As restantes medidas legalmente previstas, com a ressalva do acolhimento junto de familiar, têm uma aplicação residual. Esta foi sempre a nossa realidade. Pode dizer-se que, no nosso país, a história da proteção das crianças se confunde com a história das instituições. Asilos, orfanatos, refúgios da “infância desvalida”, instituições caritativas, filantrópicas, de assistência ou de solidariedade social foram, ao longo dos tempos, o caminho possível para salvar muitas crianças da pobreza extrema, do desamparo e da violência.
A Lei n.º 147/99 tentou modificar a situação e tornar efetivas todas as medidas nela previstas, mas não conseguiu inverter a tradição institucionalizadora. O insucesso deveu-se sobretudo ao facto de não se terem mudado políticas e práticas do passado, continuando a canalizar-se os recursos financeiros e técnicos disponíveis para a criação e para o funcionamento de instituições de acolhimento, em vez de os afetar às restantes medidas legalmente previstas. O investimento praticamente nulo no recrutamento de novas famílias de acolhimento, já salientado, é disso exemplo. Mas poder-se-ia também referir o pouco interesse em pôr em prática os programas de formação parental. O insucesso deveu-se também, em alguma medida, a alguma inabilidade legal na configuração das medidas.
Considera-se que uma criança ou jovem está em situação de perigo quando está perante uma destas situações:
- Está abandonada ou vive entregue a si própria;
- Sofre maus tratos físicos ou psíquicos ou é vítima de abusos sexuais;
- Não recebe os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal;
- Está sujeita, de forma direta ou indireta, a comportamentos que afetem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional;
- Assume comportamentos ou se entrega a atividades ou consumos que afetem gravemente a sua saúde, segurança, formação, educação ou desenvolvimento sem que os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de factos lhes oponham de modo adequado a remover essa situação.
Na Madeira há cerca de 40 crianças até aos 6 anos em famílias de acolhimento e cerca de 190 a quem foi aplicada a medida de acolhimento residencial, números que vão oscilando, naturalmente. As crianças e jovens acolhidos estão distribuídos pelas oito casas de acolhimento da região. De entre estas crianças, encontram-se algumas que descendem de jovens ex-acolhidas e provêm de famílias que não conseguem quebrar o ciclo de exclusão e pobreza.
A casa de acolhimento é uma resposta Social que tem por finalidade o acolhimento de crianças e jovens em risco, no sentido de lhes proporcionar estruturas de vida tão aproximadas quanto possível às das famílias, com vista ao seu desenvolvimento global e futura integração social. Podemos considerar estas instituições como de fim de linha para muitos jovens e crianças, a quem nenhuma outra instituição soube responder ou para quem não houve resposta.
Estes jovens, por razões disfuncionais graves da sua estrutura familiar ou pela ausência da mesma, são encaminhados para este tipo de equipamento pelo Tribunal de Família e Menores ou pelas Comissões de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ).
Constitui ainda objetivo deste equipamento, promover, sempre que possível, a reintegração dos menores na família e o acompanhamento social da mesma. Tenta-se criar um contexto físico e humano adequado, com condições apropriadas para acolher jovens, cujas necessidades emocionais, familiares e sociais são muito particulares e sensíveis.
O Estabelecimento Vila Mar, a única casa de acolhimento pública na Madeira, destina-se à execução da medida de promoção e proteção de acolhimento residencial prevista na Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo. Assim, acolhe crianças e jovens em perigo, do género feminino e masculino, com idades compreendidas entre os 12 e os 18 anos, com medida de promoção e proteção ”acolhimento residencial”, com uma vertente de autonomização.
O acolhimento de jovens pode manter-se até aos 21 anos, caso o jovem solicite a continuação da intervenção iniciada antes de atingir os 18 anos, e ainda até aos 25 anos, sempre que existam, e apenas enquanto durem, processos educativos ou de formação profissional.
Não obstante a necessidade de se dar condições legais às casa de acolhimento, definindo os tipos e as modalidades de acolhimento familiar e residencial, aproximando as respostas das reais necessidades das crianças e jovens e das competências das famílias e das casas acolhedoras, é necessário ponderar seriamente outras medidas de proteção, nomeadamente, rever os apoios que se poderão disponibilizar aos membros da família alargada que aceitem acolher os seus netos, sobrinhos ou irmãos e proceder a alguns ajustamentos legais em matéria de adoção, articulando-a com o acolhimento familiar.
Por estas razões, o grupo parlamentar do PS-M recomendou ao Governo da República que elabore a regulamentação prevista nos artigos 50º e 53º, da Lei n.º 147/99, alterada pela Lei nº 142/2015, que visa a definição do regime de funcionamento das casas de acolhimento e a sua regulamentação, de modo que sejam garantidos por todas as casas de acolhimento e suas variantes os princípios da lei e sejam respeitados os direitos das crianças e jovens institucionalizados, não dependendo deste ou daquele regulamento de funcionamento».