O Grupo Parlamentar do PS-Madeira deu hoje entrada na Assembleia Legislativa ao requerimento para a constituição de uma Comissão de Inquérito para apurar responsabilidades políticas no combate aos incêndios que lavraram na Região entre os dias 14 e 26 do passado mês de agosto.
Para este efeito, os socialistas recorreram à figura regimental do direito potestativo, uma vez que, como refere o presidente do Partido e líder parlamentar, “é imperativo averiguar minuciosamente tudo o que se passou desde o início do fogo, no dia 14 de agosto, até à sua extinção, declarada no dia 26, escrutinando todos os passos que foram dados e a estratégia e a ação seguidas pelos membros do Governo Regional com responsabilidades em matéria de proteção civil”.
Paulo Cafôfo faz notar que este incêndio, que lavrou nos concelhos da Ribeira Brava, Câmara de Lobos, Santana e Ponta do Sol, estendeu-se por um perímetro de cerca de 9.000 hectares, dos quais consumiu uma mancha de 5.104 hectares de floresta, matos e terrenos agrícolas, obrigando, inclusivamente, à retirada de centenas de pessoas das suas casas por precaução, considerando, por isso, que é necessário apurar as circunstâncias em que tudo aconteceu, num processo que ficou marcado pelas contradições entre os responsáveis políticos e operacionais e por uma evidente descoordenação na gestão do combate ao fogo.
Com esta Comissão de Inquérito, na qual deverão ser ouvidos os governantes, mas também especialistas e técnicos, pretende-se apreciar os atos praticados, direta ou indiretamente, pelo Governo Regional, as condições, o tempo e os termos em que foi prestada a intervenção e apurar os meios utilizados e a adequação dos mesmos em cada fase dos incêndios que lavraram durante 13 dias.
Na fundamentação do requerimento, os socialistas fazem notar o facto de, logo dois dias após o início do incêndio, o Governo da República ter disponibilizado apoio, através do envio de meios, que o Governo Regional recusou numa primeira instância. Só no dia 17 à noite é que o secretário regional da Saúde e Proteção Civil, que se encontrava de férias no Porto Santo, se deslocou à Madeira, justificando a recusa de meios com o facto de a Região ter muito mais bombeiros e viaturas de combate aos fogos e de “nem 10% dos meios da Região” estarem a ser utilizados. Tudo isto, enquanto no Curral das Freiras e na Fajã das Galinhas já havia moradores a terem de abandonar as suas casas por precaução.
Como explana o enunciado do requerimento, só nesse mesmo dia 17 (ao quarto dia de incêndio) é que o presidente do Governo, que também se encontrava de férias no Porto Santo, se deslocou à Madeira, tendo, contrariamente ao que havia sido dito pelo secretário regional, afirmado que já tinha combinado com o Governo da República o envio de meios. “Esta mudança de posição e de afirmações contraditórias denotaram, no mínimo, uma ausência de coordenação política do Governo Regional”, observa o PS, lembrando que vários peritos e especialistas questionaram a demora em pedir ajuda e o ataque inicial às chamas. Tudo isto, enfatizam os socialistas, quando Miguel Albuquerque, depois de ter sentido a necessidade de vir à Madeira dizer que se tratava de fogo posto (tese que, entretanto, foi contrariada pela investigação da Polícia Judiciária, que concluiu que o fogo teve origem no lançamento de foguetes), decidiu regressar às suas férias no Porto Santo, enquanto a ilha da Madeira ardia e as populações viviam momentos de aflição.
Neste capítulo da apreciação dos termos em que foi solicitado e concedido o apoio externo, o PS pretende igualmente confrontar o Executivo com o facto de ter desmentido a vinda de dois aviões Canadair espanhóis, para, pouco depois, confirmar essa mesma informação (quando o presidente do Serviço Regional de Proteção Civil havia referido que não fazia sentido equacionar esta opção). Isto, sem esquecer o facto de, como foi depois noticiado, o Governo Regional ter recusado, em 2020, integrar o Plano Nacional de Gestão Integrada de Fogos Rurais (que permitiria uma ajuda mais imediata).
Como dá conta Paulo Cafôfo, a constituição da Comissão de Inquérito pretende igualmente averiguar as condições e os termos em que foi acionado o Plano Regional de Emergência de Proteção Civil da Região Autónoma da Madeira, em que foi declarada a situação de Calamidade e em que foi acionado o Mecanismo Europeu de Proteção Civil.
As declarações do presidente do Governo Regional, ao afirmar que a estratégia adotada no combate aos incêndios foi “um sucesso” (depois de ardidos mais de 5 mil hectares de floresta e de famílias terem perdido terrenos agrícolas e terem sido obrigadas a sair das suas casas) e quando se referiu à possível vinda do Presidente da República, são outras questões com as quais o PS pretende igualmente confrontar Miguel Albuquerque.
A isto acrescem, ainda, as pressões exercidas sobre os jornalistas e o impedimento do seu acesso a determinados locais dos incêndios.
“Estamos perante factos que poderão ter contribuído para as consequências graves que agora estamos a sentir, quer ao nível do nosso património natural, quer da própria vida das pessoas afetadas”, sustenta o presidente do PS-Madeira, vincando que é necessário passar todo este processo a pente fino, sendo que a Comissão de Inquérito pretende averiguar se existirá, ou não, matéria suscetível de configurar a prática de diversos crimes.